Amortecimento

EM
15 de fevereiro de 2016
|
por
Adriana Ferrareto
Ainda me lembro da forte sensação de amortecimento pela qual fui banhada, do topo da cabeça ao dedão do pé, ao ouvir a sentença: “Você está demitida”. Várias justificativas vieram na sequência, mas só consegui ouvir pedaços das frases, pois parecia que a voz daquele gerente saia de dentro de um latão ecoando na minha […]
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amortecimentoAinda me lembro da forte sensação de amortecimento pela qual fui banhada, do topo da cabeça ao dedão do pé, ao ouvir a sentença: “Você está demitida”. Várias justificativas vieram na sequência, mas só consegui ouvir pedaços das frases, pois parecia que a voz daquele gerente saia de dentro de um latão ecoando na minha cabeça: “Não sei bem o motivo para te demitirem. Me mandaram até aqui fazer isso, não acho justo por conta dos seus excelentes resultados, sua equipe conseguiu excelente marketing share. Favor deixar o notebook agora comigo, porque não pode levar para casa para salvar suas coisas pessoais. Devolva o carro da função e volte de taxi. Esses são os documentos para assinar”. E assim, mais de quatorze anos de “vínculo” foram como que derretidos pelo fogo da indiferença e escorreram pelo ralo.

O amortecimento permaneceu pelo menos por 3 dias, além de estar quase desidratada de tanto chorar, quando fui tomada pelo susto do toque estridente do telefone que gritava. Ao atender, o mensageiro das boas novas anunciava um convite de trabalho para gerenciar uma equipe em um grande laboratório multinacional. Não matei o mensageiro por conta da notícia, mas com lágrimas escorrendo pela face eu disse:

“agradeço pelo convite, mas agora decidi que preciso ser feliz e tomar o comando da minha vida em minhas próprias mãos”.

Acho que até hoje o nobre mensageiro não entendeu meu sinal de fumaça, mas eu precisava dar um basta nessa coisa de passar pela vida sem fazer escolhas, sem me permitir olhar para a possibilidade de que havia vida fora daquele trabalho, de que meu sobrenome não era o da empresa em que trabalhava e que eu precisava fazer alguma coisa com tudo aquilo que estava me acontecendo.

Costumo dizer que Deus sussurra em nosso ouvido o que devemos fazer, aquele algo me diz, estou sentindo que, outros chamam de intuição, o fato é que quando não acatamos esse chamado, o universo ou seu chefe, se encarrega de vomitar na sua cara a dura realidade de decidir por você.

É quase uma traição, eu que queria ter dado as contas para aquela empresa, eu queria ter dito o que pensava, eu queria tanta coisa.

amortecimento2

No entanto, muito além do querer, estava eu amarrada pelo medo de não ganhar dinheiro suficiente em outro ramo, preguiça de ter de começar do zero em outro lugar, incertezas se era boa o suficiente para aventurar-me em novas possibilidades.

E de medo em medo, o amortecimento tornou-se crônico, ao ponto de não mais percebê-lo. Audição seletiva, pensamento obtuso, ideias cerceadas, qualquer brotinho de ideia ou mudança que aparecesse eu rapidamente podava com minha tesoura do conformismo. E tendo eu potencial para ser uma secóia gigante, não passava de um bonsai desmilinguido.

O amortecimento tinha se espalhado para outras áreas da minha vida, e “amortecida sênior” que eu era, não percebia.

O fato é que o chute no traseiro que a vida me deu, me despertou para a possibilidade de dessa vez, fazer tudo diferente, a anestesia passou, mas estava eu tão acostumada a vestir-me dela, que quando se foi, senti-me desnuda, sensação estranha essa a de não estar anestesiada, o que faço com isso?

Me revesti da coragem, minha nova roupagem, modelito sob medida para o momento.  Coragem para entender quem eu era de fato, o que desejava para minha vida, para expor e aceitar minha vulnerabilidade, admitir que era imperfeita sim, para fazer do meu jeito e provar para mim mesma que  funcionava. Coragem para cair e levantar, para podar as ervas daninhas que insistiam em tolher meu crescimento, para quebrar aquele pequeno recipiente que me envolvia e deixar minhas raízes livres para crescerem estruturadas com força e vigor.

Percebi que o céu era o limite, a força veio, a coragem me inundou e os frutos apareceram. Amortecimento agora só quando saio do dentista com aquela leve sensação de formiguinhas mordendo minha boca.

Essa crônica é parte integrante do livro "Vou ali e já volto - 40 anos no deserto", de Adriana Ferrareto.


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Com afeto,

Adri Ferrareto

 

Adriana Ferrareto

Strengths Coach certificada pelo Gallup® Institute
Executive Coach Certificada pelo Integrated Coaching Institute (ICI)
Certificação Internacional em Coaching Integrado

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Especialista em talentos humanos e estou aqui para despertar e fortalecer pessoas a usarem naturalmente suas potencialidades com autonomia, para se sentirem mais realizadas com seu trabalho e tenham uma vida mais leve e equilibrada.
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