Pelada, nua com a mão no bolso

EM
16 de junho de 2024
|
por
Adriana Ferrareto
Pelada, nua com a mão no bolso Imaginem como me senti durante a entrevista de emprego Entrevista de emprego Eu tinha vinte e poucos anos. Me preparei para essa entrevista de emprego com dedicação. Jovem, cheia de sonhos, sem grana e querendo me estabelecer profissionalmente. A vaga era para propagandista vendedor(a) na indústria farmacêutica. O […]
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Pelada, nua com a mão no bolso

Imaginem como me senti durante a entrevista de emprego

Entrevista de emprego

Eu tinha vinte e poucos anos. Me preparei para essa entrevista de emprego com dedicação. Jovem, cheia de sonhos, sem grana e querendo me estabelecer profissionalmente.

A vaga era para propagandista vendedor(a) na indústria farmacêutica. O laboratório era pequeno, mas uma possibilidade de entrada nessa industria tão gigante.

O teste envolvia decorar várias bulas de remédios, daquelas de longas páginas, com termos ainda desconhecidos para mim.

Me arrumei com “roupa de fazer entrevista”, me enchi de coragem, peguei o metrô em São Paulo e fui concorrer a essa vaga.

Até aqui, tudo certo. Cheguei no local e vários homens e mulheres já estavam a espera para serem entrevistados.

Um a um fomos seguindo a fila do suplício, com aquelas caras assustadas, as mãos soando, nervosismo na fala e o coração num batuque acelerado.

Até que o gerente que era um homem baixo, grisalho, de uns 60 anos aproximadamente, vestindo terno e uma gravata de gosto duvidoso, começou a fazer considerações de cada candidato, ali no meio de todo mundo.

Comentários jocosos, tom de voz aumentado, sarcasmo, piadinhas sem graça, revestido de seu poder e autoridade.

Chegou a minha vez:

“Você deveria trabalhar vendendo maquiagem, com esse batom rosinha combinando com o esmalte. Você toda delicada, feminina, não serve para essa área não. Pode tirar seu cavalinho da chuva minha filha”.

Como eu fiquei? Você deve estar se perguntando. Congelada, atônita, envergonhada, confusa. Me senti pelada, nua com a mão no bolso bem a La Ultraje a rigor. Se você não conhece ou não lembra dessa música, aqui está.

“Bom, pode ir para a segunda sala a direita e me espere lá”.

Fiquei pensando o que mais iria acontecer naquele teatro de horrores, fiquei esperando o famigerado “gerente” acabar de me espinafrar para eu pegar o rumo de casa e ir embora.

“Muito bem mocinha da maquiagem, toda fru-fru, você foi contratada”

Como assim, depois de toda aquela cena, eu havia sido a escolhida? Ele continuou dizendo:

“Fiz esse teste com você para sentir se aguenta o tranco de falar com os médicos. Sim, eles vão pegar pesado com você, precisava saber se ia dar conta ou não. Faço desse jeito a vida toda, sou experiente em entrevistar pessoas. Agora é só passar no RH para arrumar seus documentos e já pode começar a trabalhar conosco”.

E adivinhem, eu aceite! Precisava muito do emprego e tinha de começar por algum lugar, era o que eu tinha para o momento.


Corri sobre as brasas igual o Papa Léguas

A história se repete

Tantos anos depois, olho para esse tipo de evento com um misto de emoções. Em parte, gratidão por ter a chance de começar minha trajetória profissional na indústria farmacêutica, mas uma outra parte gera reflexões sobre como as pessoas se comportam nas empresas de maneira tão tosca, isso inclui os que estão nos cargos de liderança.

Muitas outras situações ao longo dos anos, com outros gestores, em outras empresas, foram aparecendo. Vou contar apenas alguma situações que novamente me senti atordoada:

  • Durante um treinamento que participei em um hotel na praia, um gestor fez a mim e todo o time, andarmos na areia fofa em fila indiana, para ver se a gente aprendia mais rápido o que ele desejava. Detalhe que estávamos de roupa social, calçados, com areia até os olhos. Todo mundo na praia olhando ao redor observando a cena, sem entender nada daquela situação patética. E o gestor? Ah ele ria da nossa cara.

  • Participei de um programa de desenvolvimento com dezenas de pessoas, em que devíamos fazer um grande círculo e todos com uma placa de madeira nas mãos, tinham de dar um caratê na placa para quebrá-la ao meio. Quebrar a placa era uma evidência de quebra de crenças. Bom, crenças eu não sei, eu quebrei mesmo foi o punho…

  • Ainda outra vez tive de caminhar sobre as brasas por alguns metros. O gestor estava do outro lado me esperando, com uma cara de “vai vir o não, sua fracote?”. Se eu conseguisse caminhar sobre as brasas demonstraria, na opinião deles, minha resiliência e força de superação. Passei sobre as brasas tipo o personagem do desenho animado Papa-Léguas, cheguei toda chamuscada do outro lado, com bolhas nos pés, e o gestor disse: Yes, você conseguiu, viu só?


Desnudando esse tipo de comportamento

Diante desses e de outros inúmeros casos que presenciei, percebi que essas pessoas (líderes) eram inteligentes, tinham bons resultado. Com certeza, cada um deles tinha seus talentos natos, isso não posso negar.

Mas a maneira como pensavam sobre o que é gerenciar e desenvolver pessoas tinha algo em comum: um conjunto de valores que, pensavam ser a forma de conseguir resultados com as pessoas, os levava a agir de maneira pouco assertiva, mesmo tendo talentos.

Pense comigo, do que adianta ter talento e:

  • Ser inteligente e cheio de sarcasmo e cinismo? Ser inteligente nem de longe significa ser sábio.

  • Ter talentos e não usá-los de forma produtiva pois seus conjunto de valores são equivocados?

  • Conseguir resultados empilhando cadáveres?

Pense comigo, inteligência e talentos são neutros. Dizer que alguém é inteligente pode não significar que está empregando essa inteligencia para o bem, necessariamente. Um bandido pode ser muito inteligente e estratégico ao planejar um crime, pode ser disciplinado, estudioso, resiliente, ter foco, não procrastinar.

Por isso talento e inteligência são neutros.

A questão é o conjunto de valores que uma pessoa tem. No que ela acredita de verdade.

Se uma pessoa inteligente, que se comunica bem, gera resultados, tem talentos, acredita que pode humilhar pessoas (valor pessoal) para conseguir o que deseja, está direcionando tudo o que tem de melhor, para fazer algo muito ruim.

Caso a pessoa acredite que andar na brasa, dar caratê na madeira, gritar com outros gera resultados, ela está adotando um valor de que essas coisas, valem mais do que boas e significativas conversas com seus funcionários. Não gasta tempo desenvolvendo de verdade as pessoas. Ela busca atalhos perigosos.

Geralmente são pessoas muito centradas em si mesmas, e mesmo sabendo do impacto negativo que causam nos outros, continuam com seus comportamentos, pois seu conjunto de valores lhe diz que esse é o caminho.


Mas será que essas pessoas mudam?

Eu li uma história muito interessante sobre Charles Colson, que foi assessor especial do presidente Richard Nixon. Ele foi preso por conta de sua excessiva lealdade. Mas como assim?

A lealdade era um grande talento dele, mas essa lealdade desmedida o levou a cometer crimes para proteger o presidente. Ou seja, ele usou sua lealdade para cometer crimes.

Hoje, Charles é um cristão renascido. Será que ele mudou? Segundo Winifred Gallagher, em seu livro Just the Way You Are, “ele era muito veemente, emocional - sua natureza (talentos) não se alterou, ele estava fazendo apenas algo diferente com seu ardor”.

O modo de ser (talento) de uma pessoa não se altera.

O que pode mudar é o foco da pessoa, onde ela está colocando sua atenção e intenção de agir, ou seja, os valores em que se pauta.

A veemência do Charles se manteve, mas ele mudou seu conjunto de valores. Antes, usava essa veemência para defender alguém de forma negativa; hoje, usa a mesma veemência para defender algo positivo (neste caso, o cristianismo), protegendo a vida das pessoas.

E esses líderes que mencionei anteriormente? Como eu disse, eles tinham talento, mas hoje entendo que o conjunto de valores que tinham, os levavam a usar seus talentos de maneira inadequada.

Hoje, quando apoio o desenvolvimento de líderes desde a 1a gestão até o presidente de uma multinacional gigante com o coaching de talentos, faço exatamente esse caminho:

  • Identificamos que talentos essa pessoa tem, bem como os porões desses talentos;

  • Fazemos uma análise profunda do conjunto de valores dessa pessoa, levantando questões como: No que acredita? Já havia pensado se seus valores são positivos ou negativos? A forma como acredita que as coisas devem ser, geram um impacto nas pessoas. Que impacto você causa nos outros? A que “preço” você consegue os resultados? O fim realmente justifica os meios em sua opinião? Se eu perguntasse para alguém do seu time sobre seu jeito/estilo de liderar, o que ela diria? Você realiza seu trabalho de modo útil e positivo? Você faz as pessoas sentirem que suas opniões são levadas em conta? O que é ter poder para você? Sua liderança é regida por comando e controle? Você se considera muito estratégico, me explique como faz isso.

  • Essa etapa é bastante importante, pois se não levarmos tempo avaliando o impacto que essas ações tem nas pessoas, esse gestor continuará a desperdiçar seus talentos e a causar danos em toda a organização.

  • As vezes, estou atendendo um presidente / Ceo e levanto essa lebre, pois se não é ele que se comporta assim, mas vê que seus diretores ou gerentes tem esse comportamento e não faz nada, então é permissivo, ele está contribuindo para destruir a moral de toda a empresa. Ser permissivo também é um valor que a pessoa tem, e bem ruim.

  • Talentos identificados, valores revistos com detalhes, é hora de direcionar a forma como essa pessoa usará seus talentos, combinado com valores salutares. Aqui entra a ação, colocar a mão na massa, ter intenção de desenvolver as pessoas de forma positiva para que alcancem os resultados esperados.


Acredito que podemos trabalhar em lugares com ambiente mais saudável

Também tive o prazer de trabalhar com líderes muito bons, que tinham valores básicos maravilhosos. Usavam seus talentos lindamente. A consequência disso é que todos se beneficiavam no entorno.

Felizmente ter me deparado com essas pessoas tão humanas, pé no chão, de valores salutares, talentosas, me fizeram crer que é possível sim no trabalho e na vida, sermos o tipo de pessoa que acrescenta valor, capazes de gerar grandes resultados com nosso trabalho, construirmos parcerias de sucesso e promover crescimento para todos que estão ao nosso redor.

Quando avalio o comportamento de líderes ruins, percebo que os talentos, assim como a inteligência, tem valor neutro. Ponto.

Se alguém deseja mudar sua vida e forma de trabalhar para que outros também se beneficiem de seus pontos fortes, então mude seus valores.

Para sermos respeitados, não precisamos liderar a base do medo, de gritos, do sarcasmo, com a astúcia de um predador pronto para capturar sua presa.

O trabalho é um dos lugares onde passamos muitas horas de nossas vidas, ele nos atravessa de muitas formas, é nele que podemos encontrar espaço para a expressão de quem somos e de como fazemos as coisas acontecer.

Precisamos nos lembrar de ter humanidade em nossas ações. Essa é uma combinação para lembrar sempre: humanidade + talentos + bons valores pessoais.

Por isso escrevo por aqui. Acredito que mais pessoas possam refletir sobre a forma como trabalham e interagem com as pessoas. Sempre há espaço para melhorarmos.

Lido com pessoas e seus comportamentos há mais de 20 anos. Atuo com CEOs de grandes multinacionais até o pequeno empresário. Todo os dias, nesses anos todos meu lema é o mesmo: é possível reinventarmos a forma como trabalhamos e nos relacionamos nas organizações.

Mas é preciso uma postura ativa, querer entender seus padrões de comportamento específicos. Não cabe mais apenas dizer “eu sou assim e pronto”.

Desejo muito e trabalho para isso, orientando as pessoas a fazerem melhores entrevistas de emprego, reuniões mais maduras, que aprendam a desenvolver os outros para melhorarem desempenho. Para que não nos sintamos nus, expostos, invadidos, ao contrário, encontremos acolhimento, cooperação, parceria.

Se você também acredita nisso, envia esse texto para pessoas do RH da sua empresa, compartilhe com quem achar oportuno.

Se já é líder e desenvolve outras pessoas, leia esse texto com seu time. Conversem a respeito. Normalize falar de comportamentos desajáveis, de valores saudáveis, do uso dos talentos. Faça parte ativa dessa mudança que também deseja nos ambientes organizacionais.

Se quiser sugerir algo, me escreva, respondendo a esse e-mail. Será muito bom trocar ideias com você sobre esses temas.

Abraço afetuoso,

Adri Ferrareto


👀 Meu Olhar curioso da semana

📚 (1) O que estou estudando

Essa semana estou preparando uma palestra para falar sobre zona de genialidade para copywriters, a convite da querida e talentosa Priscila Koelho que é copywriter de mão cheia.

🎥 (2) O que estou assistindo:

  • assisti ao filme A Vingança está na moda. Achei um filme muito bem produzido, com muitas camadas de compreensão. Acho que até vale uma news sobre isso.

🧠 Continue sua jornada comigo:

🛠 Ferramenta para escrever e gerenciar essa news

Uso a ferramenta Beehiiv para produzir essa news. Caso também queira escrever sua news, recomendo muito essa ferramenta.


Quero indicar a news do meu colega Gus. Ele traz de forma muito leve e didática, informações sobre alta performance. Vale a leitura.

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A news do Gustavo é outra para considerar ler. Ele domina muito os temas de investimentos e mentalidade.

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Poder fazer essas trocas com vocês tem sido muito prazeroso. Gosto muito desse espaço em que temos um pouco mais de tempo para refletir sobre assuntos de autodesenvolvimento.

Me envia uma mensagem comentando o que achou desta news e se deseja ver por aqui algum tema especifico.

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Adriana Ferrareto

Strengths Coach certificada pelo Gallup® Institute
Executive Coach Certificada pelo Integrated Coaching Institute (ICI)
Certificação Internacional em Coaching Integrado

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Especialista em talentos humanos e estou aqui para despertar e fortalecer pessoas a usarem naturalmente suas potencialidades com autonomia, para se sentirem mais realizadas com seu trabalho e tenham uma vida mais leve e equilibrada.
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