Certa vez, um cliente me confidenciou algo sobe demissão e identidade profissional que me fez refletir profundamente: “Não contei para minha família que fui demitido. Todos os dias, acordo, me visto e saio de casa, como se nada tivesse mudado.
Preencho meu tempo procurando oportunidades online, participando de entrevistas e, no tempo restante, vagueando sem rumo ou sentando em praças públicas, contando os minutos para 'voltar do trabalho'". Quando indaguei sobre o motivo de tal comportamento, a resposta foi incisiva: “Vergonha”.
Essa experiência me levou a um território que muitos de nós visitam, mas poucos ousam mapear: a intricada relação entre nossa identidade pessoal e nosso trabalho. Em um mundo onde a pergunta "o que você faz?" frequentemente substitui "quem você é?" em conversas sociais, é fácil entender como esse vínculo pode se tornar perigosamente tóxico.
Mas vamos além do superficial. Esta relação não se constrói apenas em conversas casuais ou em eventos sociais; ela é perpetuada pelas estruturas das corporações, pelas redes sociais que celebram incessantemente o "sucesso", e até mesmo pelas expectativas familiares que foram formadas ao longo de gerações.
O trabalho não é apenas visto como um meio de ganhar a vida; para muitos, ele serve como um indicador de nosso valor intrínseco e de nosso lugar na sociedade.
Esta associação perigosa torna-se ainda mais problemática quando entendemos que o mundo laboral está em constante fluxo. As indústrias mudam, as carreiras evoluem e as exigências de habilidades se transformam rapidamente.
Se nossa identidade está atrelada a um conjunto tão volátil de circunstâncias, o que acontece quando o cenário muda?
O resultado, muitas vezes, é uma crise de identidade que vai muito além do profissional, penetrando nas camadas mais profundas de nosso ser.
É por isso que uma relação emocional saudável de nossa identidade profissional não é apenas uma sugestão; é uma necessidade para a resiliência emocional e o bem-estar psicológico em um mundo cada vez mais incerto.
Ser demitido não é apenas um evento financeiramente devastador; ele tem o poder de lançar uma sombra escura sobre sua saúde emocional. Esta "armadilha da vergonha" pode ser particularmente incapacitante, destruindo a autoestima e prendendo a pessoa em um ciclo vicioso de desespero e inatividade.
Mas por que a vergonha tem esse poder? Primeiramente, vivemos em uma sociedade que frequentemente avalia o sucesso individual através de realizações profissionais. Quando somos demitidos, é como se nosso "status" social fosse reduzido, levando a sentimentos de inadequação.
Esta vergonha, portanto, não é meramente um estado emocional transitório; ela atua como uma força paralisante que esgota cada vestígio de energia e motivação que você poderia usar para se reerguer e explorar novas oportunidades de carreira.
Essa dimensão emocional é muitas vezes subestimada quando se considera o impacto total de uma demissão. Não é apenas uma questão de "arranjar outro emprego"; é um exercício complexo em reafirmar seu valor próprio, desconectado de qualquer rótulo profissional.
O primeiro passo para quebrar esta armadilha da vergonha é reconhecer sua existência e entender seu mecanismo de ação.
Por exemplo, se após a demissão você perceber que está evitando encontros sociais ou networking por medo de ter que explicar sua situação, você está experimentando essa vergonha paralisante.
Este conhecimento é crucial; ao identificar esses comportamentos evasivos, você pode começar a desmontar os efeitos paralisantes da vergonha.
Ao invés de evitar essas situações, talvez você possa encará-las como oportunidades para expressar suas habilidades e interesses de outras maneiras, desvinculadas do seu antigo título profissional.
Essa é uma transição para um estado de ação positiva e transformadora, permitindo que você tome as rédeas da sua vida emocional e profissional..
Não é exagero afirmar que uma das práticas mais fundamentais para o bem-estar emocional e mental é desassociar nossa identidade da nossa ocupação profissional.
Este não é um exercício trivial; vai muito além do clichê de "não levar o trabalho para casa". Em vez disso, estamos falando de uma revisão consciente e profunda de um paradigma cultural arraigado que avalia nosso valor intrínseco com base no que contribuímos profissionalmente.
Este exercício de distanciamento emocional não é uma mera tática para sobreviver aos reveses; é uma estratégia robusta de resiliência adaptativa que nos prepara para um futuro incerto.
Ao realizar esse distanciamento, abrimos portas para novas formas de autoconhecimento e autocompaixão. Você começa a perceber que suas habilidades vão além da capacidade de cumprir prazos ou alcançar metas de vendas.
Talvez você descubra que sua verdadeira paixão reside em áreas que nunca teve a chance de explorar profissionalmente. Ou, talvez, isso ofereça a liberdade emocional necessária para considerar uma mudança de carreira ou para iniciar um projeto pessoal que sempre foi relegado ao plano de fundo.
Portanto, essa desvinculação da identidade pessoal e profissional não é apenas uma técnica defensiva para tempos turbulentos.
É um ato revolucionário de reafirmação do eu, um gesto de autonomia que nos permite definir quem somos em nossos próprios termos, tornando-nos mais resilientes e adaptáveis em face da incerteza e mudança.
O ato de desvincular nossa identidade do trabalho é, sem dúvida, uma jornada complexa que exige mais do que uma mudança superficial de mentalidade. Então, como dar esses passos essenciais sem cair na armadilha do simplismo? Eis algumas estratégias (são apenas possibilidades) baseadas em princípios psicológicos e filosóficos:
Lembre-se: o objetivo não é se desconectar totalmente do seu trabalho ou aspirações, mas sim reconstruir uma relação mais saudável e sustentável com eles.
Trata-se de uma mudança que exige tanto o intelecto quanto a emoção, um equilíbrio delicado que, uma vez alcançado, pode abrir as portas para uma vida mais rica e mais autêntica.
O que nos leva ao ponto crucial: mesmo nos momentos mais sombrios, há oportunidades para crescimento e reinvenção. A demissão pode ser o impulso doloroso, mas necessário, para reavaliar não apenas suas escolhas profissionais, mas também sua concepção de si mesmo.
Ao fazer isso, você abre espaço para novas possibilidades—possibilidades que podem não ter se manifestado se você estivesse preso em um estado de conformidade emocional.
Então, se você se encontrar em um lugar semelhante, lembre-se: sua existência e seu valor vão muito além do título em seu cartão de visitas ou do logotipo na porta do escritório.
Em tempos desafiadores, em vez de se esconder atrás de uma máscara de vergonha e autopunição, considere este momento como uma convocação para o autodesenvolvimento e para a exploração de novas sendas.
Afinal, sua jornada está longe de terminar, e cada capítulo fechado é apenas a preparação para o próximo que está prestes a ser escrito.
Abraço afetuoso,
Adri
Strengths Coach certificada pelo Gallup® Institute
Executive Coach Certificada pelo Integrated Coaching Institute (ICI)
Certificação Internacional em Coaching Integrado